Artigo publicado pela Dra. Angela Camargo na revista Direito e Atualidade

Foi Publicado na Edição mais recente da Revista Direito e Atualidade: www.direitoeatualidade.com.br, na página 20, vale a pena conferir.
Segue abaixo:
INCONSTITUCIONALIDADE DA TAXA DE MARINHA NA ILHA DE VITÓRIA-ES

O Decreto-Lei nº 9.760/1946, em seu artigo 2º conceitua os terrenos de marinha como sendo aqueles situados em uma profundidade de 33 metros, medidos horizontalmente para a parte da terra, da posição da linha da preamar-média de 1.831:
a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;
b) os que contornam as ilhas, situados em zonas onde se faça sentir a influência das marés.

Em Vitória, cidade-ilha do ES, muitos sofrem com a obrigação de pagamento das chamadas “taxas de marinha” devidas por quem é proprietário desses terrenos. Passemos a analisar os dispositivos legais que preveem tal obrigação.

O supracitado Decreto Lei, em seu artigo 1º preceituou que: Art. 1º Incluem-se entre os bens imóveis da União: a) os terrenos de marinha e seus acrescidos.

Na época a definição foi baseada na média das marés altas e baixas, sendo traçada uma linha imaginária que percorre toda a costa brasileira. A partir dessa linha, todo terreno que estiver a 33 metros da preamar média é considerado da União.

Ocorre que em 2005 foi modificado, através da Emenda Constitucional nº 46, o artigo 20 da Constituição Federal, passando a ter uma nova redação. Assim, a dúvida que existe é se a taxa cobrada pela ocupação e foro é constitucional, portanto deve ser paga. Pois, como sabido se não houver o pagamento da referida taxa a Secretaria Patrimonial da União certamente constará como débito, o que gerará uma execução fiscal face ao suposto devedor.

Levando em consideração aos argumentos que serão alinhavados a seguir, entendemos que tal cobrança é indevida, tendo em vista a existência da Emenda Constitucional nº. 46 de 2005, senão vejamos:
Art. 1º O inciso IV do art. 20 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 20.
IV as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II;
……………………………………………………………………………”(NR)
Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, em 5 de maio de 2005.

Conforme citado, a Emenda Constitucional nº 46, de 05 de maio de 2005, excluiu do domínio da União as ilhas costeiras que contenham a sede de Municípios, argumento suficiente ao entendimento de que o pagamento de tais taxas não é devido.

Assim, o artigo 20, inciso IV passou a ter a seguinte redação:

Art. 20. São bens da União:
(…)
IV- as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as COSTEIRAS, excluídos DESTA, as que contenham a sede de municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público federal e a unidade ambiental federal e as referidas no art. 26, II.

A Emenda Constitucional excluiu da propriedade da União as ilhas costeiras que contenham a sede no município “excepcionando de tal exclusão unicamente (ou seja, permanecendo como bens da União) as ÁREAS (1) afetadas ao serviço público federal e (2) às unidades ambientais federais ou 3) cujo domínio seja titularizado pela União”. “Somente os imóveis em cujos registros imobiliários constam expressa menção no sentido de estarem situados sob terreno ou acrescido de marinha é que continuarão entre os bens da União- mesmo que situados em ilha costeira que seja sede municipal -por força do que prescreve o inciso II do art. 26 combinado com a já multicidada última parte do inciso IV do artigo 20 todos da Constituição” .

O Ministério Público Federal do Espírito Santo ajuizou ação Civil Pública em 2006 para questionar tal cobrança face à Emenda Constitucional 46 . Houve sentença determinando que União cancelasse o registro dos imóveis na Secretaria de Patrimônio da União e os Cartórios Notoriais e de Registro de Imóveis fossem oficiados para deixar de exigir a quitação de taxas administrativas cobradas dos terrenos de marinha e acrescidos.

Tendo em vista tal entendimento, os proprietários de terrenos de marinha podem ingressar em juízo para discutirem a constitucionalidade da continuidade de pagamento de tais taxas. Em ação própria o proprietário poderá comprovar demonstrando documentos que atestam tal situação (por escrituras públicas dos os imóveis), ou seja, pode ser comprovado que não há qualquer menção no sentido de estarem situados sob terreno ou acrescido de marinha, por tanto NÃO pertencem à União , ou se localizados questionarem esta questão de estarem localizados na Ilha de Vitória, situação excepcionada pela citada Emenda.

Não há dúvidas de que se o terreno em causa situa-se em ilha costeira sede de município será indevido qualquer pagamento referente a laudêmio, foro e taxa de ocupação.

Na decisão supracitada, estabeleceu-se que os terrenos de marinha situados na porção continental do Município de Vitória continuam sendo de propriedade da União Federal, salvo aqueles situados na ilha de Vitória e demais ilhas que o compõem.

Nesta ocasião, restou decidido pelo Ilustre juiz Dr. Alexandre Miguel em sentença proferida no dia 04 de fevereiro de 2009:

Nesta esteira, não tendo os terrenos alegados unilateralmente pela União como sendo de marinha sido incluídos pelo legislador constituinte como exceção à regra de que as ilhas costeiras sede de municípios não mais se incluem entre os bens da União (tal como foram abarcadas as áreas afetas ao serviço e as unidades ambientais federais e as indiscutivelmente sob seu domínio), forçoso concluir que as áreas que encerram terrenos que a União alega ser de marinha localizados no município cujas sedes situam-se em ilhas costeiras não se incluem entre os bens da União simplesmente alega serem de marinha localizados nos Municípios cuja sedes situam-se em ilhas costeiras não se incluem dentre os bens da União, porquanto repita-se, as exceções insertas na Constituição devem ser interpretadas restritivamente, e, na hipótese não há como se ampliar a ressalva feita pela parte final do inciso IV do artigo 20 da Constituição da República. Somente os imóveis cujos registros imobiliários conste expressa menção no sentido de estarem situados sob terreno ou acrescido de marinha é que continuarão entre os bens da União-mesmo que situados em ilha costeira que seja sede municipal por força do que prescreve o incio II do art. 26 combinado com a já multicitada última parte do inciso IV do art. 20 todos da Constituição.

E continua: “Ora, não cabe ao intérprete da norma deduzir algo que a lei não prevê, como já dito, devendo encontrar “o melhor sentido da norma jurídica, em confronto com a realidade sócio-político-econômica e almejando sua plena eficácia.
5. Não é demasia registrar que a norma constitucional em tela possui eficácia plena e deve ter aplicabilidade imediata, ou seja, desde a sua entrada em vigor produz “todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos e situações, que o legislador constituinte, direta e normativamente, quis regular.
6.Desse modo, infere-se que os terrenos de marinha situados na porção continental do Município de Vitória – como se vê do mapa em anexo7 – continuam sendo de propriedade da União Federal, exceto aqueles situados na ilha de Vitória e demais ilhas que integram o referido Município8, quais sejam: “Ilhas do município de Vitória • Ilha de Vitória • Ilha da Pólvora • Ilha do Cal • Pedra dos Ovos • Ilha das Pombas • Ilha do Urubu • Ilhadas Tendas • Ilha das Cobras • Ilha Maria Catoré • Pedra da Baleia • Ilha dos Práticos • Ilha dos Itaitis • Ilha dos Igarapés • Ilha Galheta de Dentro (ou Gaeta) • Ilha Galheta de Fora (ou Gaeta) • Ilha das Andorinhas • Ilha Rasa • Ilha do Fato • Ilha dos Índios • Ilha do Socó • Ilha do Frade • Ilha do Chrisógono (Santa Cruz) • Ilha do Paraíso • Ilha da Baleia (Cavalo) • Ilha do Meio • Ilha do Campinho • Ilha do Apicum (Lameirão) • Ilha Guruçá • Ilha Margarida • Ilha Solteira • Ilha Grande (Delta do Rio Santa Maria) • Ilha de Trindade • Arquipélago Martin Vaz • Ilha da Fumaça e Ilhas já integradas à ilha de Vitória • Ilha de Santa Maria • Ilha de Monte Belo • Ilha do Boi • Ilha do Papagaio • Ilha do Sururu • Ilha do Príncipe • Ilha do Bode • Ilha da Rainha • Ilha da Palha (Madeira) • Ilha das Caieiras • Ilha do Caju • Ilha Wetzel • Ilha Rabello • Ilha do Cercado • Ilha da Forca • Ilha Cinzenta • Ilha Gonçalves Martins”.
Em outras palavras: mostra-se vedada a cobrança de taxas de ocupação, foros e laudêmios dos terrenos de marinha até então situados nos seguintes bairros da ilha de Vitória (excluída a sua porção continental)9:Nova Palestina, Resistência, Conquista, Ilha das Caieiras, Santo André, Redenção, Joana D’Arc, Santos Reis, São José, São Pedro, Comdusa, Grande Vitória, Estrelinha, Universitário, Inhanguetá, Bela Vista, Santo Antônio, Santa Tereza, Fonte Grande, Ariovaldo, Favalessa, Caratoíra, Do Quadro, Piedade, Do Moscoso, Do Cabral, Santa Clara, Mário Cypreste, Vila Rubim, Ilha do Príncipe, Parque Moscoso, Centro, Forte São João, Ilha de Santa Maria, Ilha de Monte Belo, Romão, Cruzamento, Nazaré, Jucutuquara, Horto, Fradinhos, De Lourdes, Consolação, Gurigica, São, Benedito, Santos Dumont, Santa Cecília, Maruípe, Da Penha, Tabuazeiro, Itarará, São Cristóvão, Santa Martha, Andorinhas, Pontal de Camburi, Santa Luiza, Barro Vermelho, Praia do Canto, Santa Lúcia, Ilha do Frade, Ilha do Boi, Santa Helena, Praia do Suá, Enseada do Suá, Bento Ferreira e Jesus de Nazaré”. (Grifos nossos)

Logo, são indevidas por serem inconstitucionais as cobranças de tais taxas dos imóveis localizados nos citados bairros integrantes da ilha de Vitória e não localizado em sua porção continental, pois não pertencem ao domínio da União. Tal conclusão é baseada no texto expresso da Emenda Constitucional nº 46/2005, o que vem sendo entendimento dos Tribunais, conforme supracitado.

Angela Capistrano Camargo Cabral
Especialista em Direito Tributário pelo MBA da Fundação Getúlio Vargas – Vitória – ES – (2010-2012)
Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV – Faculdade de Direito de Vitória – (2007)
Pós-Graduada em Ciências Jurídicas pelo Diex/Ielf – (2005 – 2006)
Graduada pela Faculdades Integradas de Vitória – FDV – (2004)
www.camargoecamargoadvogados.com.br

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