Tributos Relativizáveis?

Nunca calhou tão bem a antiga e conhecida frase do escritor inglês Samuel Johnson: Só há duas coisas certas na vida: a morte e os impostos. É essa a sensação que estamos vivendo com a Pandemia do Covid-19 e as medidas fiscais até meados de abril editadas.

Frédéric Bastiat na sua obra escrita em 1801 A LEI, (A LEI, LVM EDITORA, SP: São Paulo) sabiamente já afirmava que:

 

“quando a Lei e a Moral estão em contradição, o cidadão se encontra na cruel alternativa de ou perder a noção de Moral, ou perder o respeito pela Lei (…) Lei e Justiça são a mesma coisa. Temos todos uma forte disposição a considerar legítimo aquilo que é legal, a tal ponto que há muitos que falsamente deduzem da Lei toda a Justiça. Basta, portanto, que Lei ordene e consagre a Espoliação para que a Espoliação pareça justa e sagrada para muitas consciências.”

 

Bastiat acreditava, portanto, que a espoliação legalizada tem muitos nomes, e alguns deles são: tarifa e imposto progressivo.

Estabelece o art. 3º, do Código Tributário Nacional: “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.

Isso significa resumidamente que é um pagamento, em moeda, forçado dos cidadãos, não por terem praticado nada ilícito, mas por estar previsto em lei e cobrada pelo ente público como uma obrigação tributária.

Esse montante arrecadado tem como finalidade a aplicação da lei para manter a ordem pública, proteção à propriedade privada, investimento em serviços públicos, infra-estrutura , manutenção e pagamento dos gastos do próprio governo, assim como gastos com sistemas de seguridade, educação e etc.

Mais de dois séculos se passaram desde tal ideia e continuamos vivendo a espoliação legalizada, visto que se transformada em lei, recebeu o manto de justiça e todos aceitam como moralmente justa.

Flavio Tartuce enfrentou muito bem o tema no âmbito privado quando concluiu[1] que inclusive a mora não deve ser cobrada pelos ditames da boa fé objetiva, quando o inadimplemento pontual se der por dificuldades causadas pela pandemia. Ou seja, mesmo que não previsto em contrato, por causa da crise instalada se aceitará o atraso no pagamento de prestações contratadas sem o pagamento de encargos que normalmente caberia por causa das dificuldades trazidas pela COVID-19.

E no âmbito público? O pacote econômico anunciado pelo Ministro Paulo Guedes teve como objetivo beneficiar os mais impactados com postergação de impostos, facilitação de créditos e etc. Decretos, MPs, Portarias estão sendo editadas/publicadas em âmbito federal, estadual e municipal para benefício dos contribuintes.

Mas e quando a conta chegar? Algo tão certo como o pagamento de impostos diante deste estado de calamidade decretado foi postergado. Mas, continua existindo a obrigação do pagamento? Sim. Ela pode ser questionada?

O Estado provê para os cidadãos e estes para o Estado, sendo uma troca de direitos e obrigações, mas neste jogo não se tem autonomia de vontade quando o assunto é pagamento de impostos, uma vez que ele é compulsório, conforme estabelece o já mencionado artigo 3º do CTN.

A teoria dos jogos, sistematizada pelo matemático John Von Neumann Nash e pelo economista Oskar Mongenstern em 1944 é aplicada para se entender e explicar tecnicamente consequências e momentos em que as decisões são tomadas, levando em consideração as relações entre pessoas interdependentes.

Foi entendido através dos estudos da matemática que as atitudes e relações de cooperação dentro de um grupo refletem no resultado de todos. A conclusão chegada pelo matemático é, em simples palavras, a comprovação em termos matemáticos e lógicos de que nos grupos em que há a cooperação há resultados melhores do que em grupos em que há a traição de um dos membros por escolhas egoísticas onde se pensa apenas na sua vantagem, comprovando que para o conceito de certo e errado existe um cálculo matemático que não é consciente. A conclusão, chamada de equilíbrio de Nash foi a de que em um jogo com mais de dois jogadores se um deles age unilateralmente não há um ganho para todos.

Economia e tributação estão internamente ligadas, uma influencia diretamente na outra e ambas impactam no crescimento do país.

Entendo que para esse jogo dar certo o governo terá que pensar em algum tipo de isenção de tributos. Coaduno com a ideia que a isenção deva ser vista com muita cautela e deva ser dada de uma forma bem específica e sem conceder privilégios. Acredito que os tributos que advenham de renda, serviço ou consumo não devam ser relativizados, tendo em vista que se a pessoa teve a oportunidade de auferir aquela renda ou de prestar aquele serviço porque garantir a ela a isenção? Isso não ocorre com aqueles relacionados à propriedade, às taxas e às contribuições. Por que o Estado não pode perder sua receita e os empresários e empregados sim?

O Estado não é também um ente capaz de se sustentar e ter lucro? Se não é deveria ser. Cortar gastos (como privatizações, funcionalismo enxuto dentre outras medidas) e aceitar menos receitas. Por que o particular pode negociar e o Estado não? Quem lhe dá a imutabilidade de intocável em um pedestal? Está se perdendo a noção do equilíbrio e aceitando como uma das características que conceituam o fascismo criado por Benedito Mussolini com suas conhecidas palavras ao definir que assim conceituava “”Tutto nello Stato, niente al di fuori dello Stato, nulla contro lo Stato”, ou seja, “Tudo no Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado”. Uma ditadura sangrenta parece estar acontecendo sem que percebermos a gravidade disso.

A tributação por si só já é uma espoliação legalizada. Desta forma, se cada um pensar só em si o resultado para todos nós poderá ser desastroso, assim como previu Nash.

No conceito filosófico de Aristóteles de política a moral está em sua formação, a moral não era entendida como algo separado já que o indivíduo tendo como base a ética e tomando decisões sempre para o bem coletivo teria dentro da política e, intrínseca a ela, a moral. Será que é tão impossível pensarmos que poderia acontecer isso na prática da política atual? E então aceitarmos a relativização do tributo como algo justo e por isso aceito simplesmente por ser o certo a fazer.

Isso porque o cenário mudou. Estamos vivendo uma Pandemia Mundial, portanto é hora de envolvimento de todos. Se o Governo se esforçar para fazer o possível para equilibrar a situação econômica, se os políticos decidirem neste sentido, se os empresários, autônomos e empregados se utilizarem das medidas com responsabilidade e integridade, passaremos por essa crise mais saudáveis, sabendo a necessidade de cada um pensar em todo o grupo, como na Teoria dos Jogos, o resultado certamente será mais benéfico a todos.

Assim como se discute a relativização da coisa julgada material (dita como imutável para muitos no direito) aqui se pergunta: o que deve prosperar: a lei que obriga pagar o imposto (que deveria ser justa, mas neste caso não é, pois, legaliza a espoliação) ou sua relativização visto à pandemia e ao caos instalado? Se não houver uma decisão do governo ( assim como o apoio pelo congresso) neste sentido em âmbito geral certamente caberá discussão em âmbito particular para cada contribuinte. Que a melhor saída para todos seja escolhida.


[1] Acessado em 15 de abril de 2020

 

 

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