Aspectos econômicos e tributários analisados pela perspectiva da crise pandêmica trazida pelo Covid-19

A constituição de um Estado em um território com uma população estabelecida demanda a criação de leis para regulamentar como se regerá o Estado econômica, financeira, militar e administrativamente, as relações privadas civis, de trabalho e penais.

O Estado provê para os cidadãos e estes para o Estado, sendo uma troca de direitos e obrigações, mas neste jogo não se tem autonomia de vontade quando o assunto é pagamento de impostos, uma vez que sob este aspecto ele é compulsório, conforme estabelece o próprio artigo 3º do código tributário nacional ao definir o tributo.

Me vem a mente agora a “Teoria dos Jogos” motivo de prêmio Nobel de Economia que deveria ser mais aplicada a ela e, por isso,  penso que se adequaria perfeitamente para a prática do Direito Tributário neste cenário que estamos vivendo no Brasil.

A teoria dos jogos, sistematizada pelo matemático John Von Neumann Nash e pelo economista Oskar Mongenstern em 1944 é aplicada para se entender e explicar tecnicamente consequências e momentos em que as decisões são tomadas, levando em consideração as relações entre pessoas interdependentes.

Foi entendido através dos estudos da matemática que as atitudes e relações de cooperação dentro de um grupo refletem no resultado de todos. A conclusão chegada pelo matemático é, em simples palavras, a comprovação em termos matemáticos e lógicos de que nos grupos em que há a cooperação  há resultados melhores do que em grupos em que há a traição de um dos membros por escolhas egoísticos onde se pensa apenas na sua vantagem, comprovando que para o conceito de certo e errado existe um cálculo matemático que não é consciente. A conclusão, chamada de equilíbrio de Nash foi a de que em um jogo com mais de dois jogadores se um deles age unilateralmente não há um ganho para todos.

Há algumas semanas atrás víamos as imagens dos chineses se utilizando de várias máscaras para se protegerem do vírus, imagens de pais ensacolando seus filhos para evitar que peguem a tão temida doença e passem para seus avós, familiares, conhecidos, vizinhos. Parecia ser algo que estava acontecendo do outro lado do mundo e que não seríamos atingidos. Ríamos porque não conhecíamos o temor. Hoje o mundo está parado com motor ligado, parece que estamos vendo um sinal de trânsito vermelho bem na nossa frente, esperando o verde abrir para seguirmos. E para o Brasil não parar de vez as micro e até mesmo grandes empresas vão precisar de algum combustível para continuarem.

Um país precisa de dinheiro para sua manutenção, pagamento de seus funcionários públicos saúde, educação, segurança e etc. E é, justamente por isso que os impostos são instituídos. Assim, economia e tributação estão internamente ligados, um influencia diretamente no outro e ambos impactam no crescimento do país.

Agora é a vez do tributo. Esse, advém da circulação de mercadorias, prestação de serviços, folhas de pagamento assim como muitos outros fatos geradores.

A função fiscal dos tributos diz respeito a arrecadação pelo Estado de recursos necessários para sobrevivência assim como manutenção da máquina pública (exemplo IR). Já na função extrafiscal o Estado se utiliza dos tributos como meio de intervenção na sociedade e na economia, tendo como finalidade principal regular, incentivar, dentre outros (alíquota maior para cigarros para desestimular a venda). Por fim, a terceira é a função parafiscal, na qual o tributo possui a finalidade de arrecadar recursos para custear as atividades do Estado que não sejam exercidas diretamente por ele, ou seja, quando a União, Estados-Membros, Distrito Federal ou Municípios, mediante lei, delega a capacidade tributária ativa a uma terceira pessoa (de direito público ou privado), para que esta arrecade o tributo, fiscalize ou utilize os recursos auferidos para a consecução de seus fins (contribuição anual paga pelos engenheiros ao CREA).

Analisando a “Teoria do jogos” no atual cenário da economia as estratégias para garantirem o equilíbrio dos interesses deixam de ser individualizadas e passam a ser de cooperação de todos para um resultado vantajoso num cenário global. O tributo que não tenha como função a arrecadação poderia sofrer uma diminuição ou isenção. Assim também, como o tributo  não advém da arrecadação/lucro/serviço/circulação de mercadoria ou renda deveriam ser revistos já que foram afetados brutalmente com a pandemia.

Poderíamos afirmar que deverão ser avaliadas as estratégias de isenção/diminuição dos tributos, alinhadas com políticas públicas que podem ser adotadas para fomentar as atividades econômicas com objetivo de crescimento da economia e manutenção da atividade empresarial, dos empregos e, consequentemente saúde das empresas.

Neste contexto, como existem orçamentos a serem respeitados, limites a serem cumpridos o Governo decretou estado de CALAMIDADE PÚBLICA no dia 20 de março de 2020, utilizando o argumento de que é necessário para elevação dos gastos públicos para proteger a saúde e os empregos dos brasileiros e pela perspectiva da queda de arrecadação. No caso da União não será necessária a obediência ao limite (que para 2020 seria de 124,1 bilhões) do déficit (diferença entre receita e despesa) previsto em lei, ou seja, o gasto poderá ser aumentado sem responder por eventual questão prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal, assim como acontece com os Estados e Municípios.

Contudo, com a Pandemia instaurada do Covid-19 estamos sem precedentes, nunca houve no Brasil um impacto como esse antes.

Algo deve ser decidido, não só a saúde do corpo está adoecida como também de toda a sociedade. Se uma empresa que tem que pagar os impostos quebra, demite os empregados, esses ficarão sem renda, não consumirão e assim vai em círculo tornando um problema que era grande em gigante e inadiável de ser resolvido.

O pacote econômico anunciado pelo Ministro Paulo Guedes teve primeiramente como objetivo beneficiar os mais impactados que são as micro e pequenas empresas, autônomos, adiamento de impostos federais assim como outros, o que está ajudando e funcionando como um combustível para o início do enfrentamento deste difícil momento.

As medidas foram:

  • A Portaria nº 103, que dispõe sobre medidas relacionadas aos atos de cobrança da dívida ativa da União autorizou a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a  suspender, por até noventa dias: a) os prazos de defesa dos contribuintes nos processos administrativos de cobrança da dívida ativa da União; b) o encaminhamento de Certidões de Dívida Ativa para protesto extrajudicial; c) a instauração de novos procedimentos de cobrança e responsabilização de contribuintes; d) os procedimentos de rescisão de parcelamentos por inadimplência.  Também ofereceu proposta de transação por adesão referente a débitos inscritos em dívida ativa da União, mediante pagamento de entrada de, no mínimo, 1% (um por cento) do valor total da dívida, com diferimento de pagamento das demais parcelas por noventa dias, observando-se o prazo máximo de até oitenta e quatro meses ou de até cem meses para pessoas naturais, microempresas ou empresas de pequeno porte, destacando que demais condições e limites estão estabelecidos na Medida Provisória nº 899, de 16 de outubro de 2019. Para visualização do seu conteúdo completo, clique aqui.
  • A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional regulamentou a  portaria nº 103 de 17 de março de 2020, no que tange à transação extraordinária para facilitar o pagamento dos débitos inscritos em dívida ativa da União, mediante o pagamento de: a) no mínimo 1% da dívida como entrada, dividida em três parcelas iguais e sucessivas; b) parcelamento do restante em até 81 meses, sendo em até 97 meses  para pessoas físicas, microempresas e empresas de pequeno porte; e c) diferimento do pagamento da primeira parcela do saldo restante para o último dia útil do mês de junho de 2020. Em se tratando das contribuições sociais previstas na alínea “a” do inciso I e no inciso II do caput do art. 195 da Constituição, o saldo restante poderá ser parcelado em até 57 (cinquenta e sete) meses. O valor das parcelas não será inferior a R$ 100,00 (cem reais), na hipótese de contribuinte pessoa natural, empresário individual, microempresa ou empresa de pequeno porte; e R$ 500,00 (quinhentos reais), nos demais casos. A transação será realizada por adesão, através da plataforma REGULARIZE da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional e tem como prazo fatal para adesão, o dia 25 de março de 2020. As dívidas já judicializadas também poderão ser objeto de parcelamento desde que o contribuinte desista das ações, impugnações ou recursos relativos aos créditos transacionados. Quanto às dívidas já transacionadas, para a adesão à transação da Portaria n. 7.820, a Empresa deverá desistir do parcelamento em curso. Para visualização do seu conteúdo completo, clique aqui.
  • A Resolução nº 17/2020 reduz a zero a alíquota do imposto de importação, até dia 30 de setembro deste ano, de diversos itens relacionados ao tratamento e à prevenção da covid-19, como o álcool em gel, desinfetantes e máscaras de proteção. Para visualização do seu conteúdo completo, clique aqui.
  • O Presidente da Repúblicareduziu a zero o imposto sobre Produtos Industrializados  – IPI incidentes sobre os produtos mencionados no decreto, para facilitar o atendimento da população e minimizar os impactos econômicos da pandemia. Para visualização do seu conteúdo completo, clique aqui.

 

Em âmbito Estadual e Municipal, cada ente está publicando medidas como benefício fiscal para sua Região, assim como estabelecendo regras quanto ao comércio local e demais disposições sobre as mudanças ocorridas com a pandemia.

No Espírito Santo já foram editadas medidas relacionadas ao ICMS, assim como a Prefeitura de Vitória já publicou medidas sobre o ISS, IPTU dentre outros.   

 

  •  NO ÂMBITO MUNICIPAL DE VITÓRIA-ES (PORTARIA Nº 13 DE 2020) QUANTO À FIXAÇÃO DOS PRAZOS PARA RECOLHIMENTO DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA (ISSQN) E NOTIFICAÇÃO DOS PROFISSIONAIS AUTÔNOMOS RELATIVAMENTE AO REGIME DE TRIBUTAÇÃO FIXA PARA O EXERCÍCIO DE 2020. O Secretário Municipal de Fazenda, resolveu prorrogar o recolhimento do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza dos Profissionais Autônomos, Advogados e Contadores,  relativo ao exercício de 2020 para os seguintes prazos:
    • 1ª OPÇÃO: COTA ÚNICA – até 28.09.2020
    • 2ª OPÇÃO: COTA 01 – 28.09.2020, COTA 02 – 28.10.2020, COTA 03 – 27.11.2020, COTA 04 – 28.12.2020.
    • Para visualização do seu conteúdo completo, clique aqui. (fls.07).
  • VI –  A Resolução do Comitê Gestor do Simples Nacional nº 152, de 18 de março de 2020 prorrogou as datas de vencimento dos tributos federais previstos nos incisos I a VI do caput do art. 13 e na alínea “a” do inciso V do §3º do art. 18-A, ambos da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, apurados no âmbito do Simples Nacional e devidos pelos sujeitos passivos. Assim, foram prorrogadas as datas de vencimento dos seguintes tributos federais no âmbito do Simples Nacional:
    • Inciso I do caput do art.13) Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica – IRPJ;
    • Inciso II do caput do art.13) Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI;
    • Inciso III do caput do art.13) Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL;
    • Inciso IV do caput do art.13) Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS;
    • Inciso V do caput do art.13) Contribuição para o PIS/Pasep;
    • Inciso IV do caput do art.13) Contribuição Patronal Previdenciária – CPP para a Seguridade Social;
    • E ainda, no que tange ao  Microempreendedor Individual – MEI optante pelo recolhimento dos impostos e contribuições abrangidos pelo Simples Nacional em valores fixos mensais, a referida resolução prorroga o prazo para o pagamento dos R$ 45,65 (quarenta e cinco reais e sessenta e cinco centavos), a título de Contribuição para a Seguridade Social, relativa à pessoa do empresário, na qualidade de contribuinte individual. (Alínea “a” do inciso V do §3º do art. 18-A). A referida resolução não abrange, pois, os demais impostos previstos na Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006. Quanto aos prazos prorrogados, restou estabelecido o seguinte: I – Período de Apuração Março de 2020, com vencimento original em 20 de abril de 2020, fica com vencimento para 20 de outubro de 2020;
    • II – Período de Apuração Abril de 2020, com vencimento original em 20 de maio de 2020, fica com vencimento para 20 de novembro de 2020; e III- pela prorrogação de prazo supracitada o contribuinte deverá manifestar o seu interesse em qualquer Agência da Receita Estadual. Para visualização do seu conteúdo completo, clique aqui.

 

Essas foram algumas das medidas realizadas até o dia 25 de março de 2020. A maioria foi pela grande preocupação com as micro e pequenas empresas, optantes do SIMPLES, profissionais autônomos que não possuem capital de giro em seus caixas para pagamento das contas e tiveram seu faturamento drasticamente diminuído.

 

Aplicando-se a Teoria do Jogos ao cenário tributário em que se interage Fisco e contribuinte se espera que haja esse equilíbrio, que o Fisco não arme estratégias para sair ganhando deste jogo porque do outro lado estão milhares de pequenos empresários, empregados que dependem de seus salários e empresas que movem a economia brasileira fazendo um trabalho hercúleo, nadando contra maré da burocracia, de impostos e de intervenções estatais que em nada ajudam.

Não adianta o governo manter o pagamento dos tributos, adiar a cobrança, adiar pagamento, não dar isenção e essas empresas que deverão os tributos terão que pagar as contas e são obrigadas a se manterem fechadas sem faturar por prazo indeterminado. Retornar aos poucos, fazer uma quarentena seletiva como foi o anunciado dentro da segurança do recomendado pelos médicos fará com que seja protegida a saúde de todos.

 

Estão sendo noticiadas medidas diariamente como a concessão do salário de funcionário de pequenas e média empresas que ainda demandará aprovação pelo Congresso; projeto que prevê uma ajuda de R$: 600,00 (seiscentos reais) para o trabalhador informal durante três meses desde que obedecidos alguns requisitos cujo texto já está no Senado, assim como tantas outras que têm este mesmo objetivo que devem acontecer cada vez mais nos próximos dias.

 

O momento pede uma decisão importante, difícil e que determinará o futuro do Brasil. Se é para parar, então deve haver uma análise sobre a isenção ou diminuição de impostos de uma forma planejada como na Teoria dos Jogos, em um perfeito equilíbrio de Nash, ao estabelecer a exata medida em que isso se dará e para quais pessoas incidirá, possibilitando a distribuição dos prejuízos sendo a maneira mais justa e eficaz de diminuir o dano. Felizmente o Governo já está fazendo a sua parte, já começou a implementar medidas importantes, mas todos os entes devem seguir o mesmo caminho para o resultado final.

Agora é a hora de pensar neste equilíbrio que há muito não se tem, haver a cooperação entre empregados, empregadores, prestadores de serviços, fisco, empresas de todos os tamanhos para que todos saiam ganhando, ou melhor, perdendo menos, que já será uma grande coisa para as empresas, empregados, autônomos, Fisco e, consequentemente para todo o Brasil.

 


ANGELA CAMARGO, sócia fundadora da Camargo & Camargo Advogados Associados; Real Prática e Iblawa- International Business Law Association;

Especialista em Direito Tributário pela FGV; Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV; Especialista em Processo Civil pela FDV, Pós- Graduada em Ciências Jurídicas pelo DIex/Ielf;

Dúvidas ou outras perguntas  acesse o site: www.camargoecamargoadvogados.com.br ou diretamente no e-mail: angela@camargoecamargoadvogados.com.br

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